CASAS DO BRIGADEIRO LUIZ ANTÔNIO

Luiz Roberto de Souza Queiroz

O brigadeiro Luiz Antônio morou num sobrado na rua do Ouvidor nº 30, que depois passou a se chamar rua José Bonifácio, esquina da rua de São Bento. Também na rua do Ouvidor teve casa a segunda filha do Brigadeiro, a marquesa de Valença, que depois mudou-se para o Rio de Janeiro.

AS QUATRO CHÁCARAS DO BRIGADEIRO LUIZ ANTÔNIO

O brigadeiro Luiz Antônio de Souza foi proprietário de quatro chácaras no então entorno da cidade de São Paulo.

O professor José Eduardo de Assis Lefèvre, no livro “De Beco à Avenida – a História da rua São Luiz” (publicação Edusp, 2006) faz referência a três delas. Uma quarta chácara, onde foi a primeira sede do Instituto Ana Rosa, conforme planta da cidade de 1881, ficava na travessa rua dos Bonds, atual avenida Senador Queiroz, entre a rua da Constituição, atual rua Florêncio de Abreu e a rua da Alegria, atual rua Brigadeiro Tobias. Essa última chácara era lindeira com a sede original da Sociedade Portuguesa de Beneficência.

A história oral da família Souza Queiroz relata que a São Paulo do século XVIII, estava limitada à restrita área em torno do atual pátio do Colégio e do largo São Bento, onde ficavam as residências permanentes. E como o comércio se restringia a poucos armazéns e vendedores de rua, os paulistanos de então mantinham chácaras relativamente longe da cidade, onde cultivavam legumes, verduras e frutas, e criavam animais como porcos e galinhas.

Esses produtos das chácaras eram levados uma vez por semana em carroças, para as residências, no atual centro velho da cidade, atravessando o vale do Anhangabaú. Na época toda essa área era zona rural onde o barão de Itapetininga plantava chá, daí a origem do nome do atual viaduto.

MUDANÇA DE VOCAÇÃO

As chácaras têm sua vocação mudada na segunda metade do século XIX, pelos alemães Friedrich Glette e Viktor Nothmann, cujos nomes foram dados a ruas no loteamento que criaram. Eles, transformaram uma chácara do atual bairro de Campos Elíseos no primeiro loteamento com serviço de água, esgoto e gás encanado.

Para fazer o loteamento os dois empreendedores compraram do Barão de Ramalho, em 1879, a Chácara do Henrique, parte do Campo Redondo, onde fizeram o loteamento ao qual se tinha acesso pela rua do Tanque, posteriormente renomeada rua dos Bambus, que atualmente é a avenida Rio Branco.

A iniciativa teve muito sucesso e, na memória da família, teria levado um genro do barão de Souza Queiroz, Francisco de Aguiar Barros, casado com Maria Angélica de Souza Queiroz, sexta filha do Barão a adquirir em 1874 a chácara das Palmeiras, cuja sede é a atual Casa Pia de São Vicente de Paula, doada posteriormente por Maria Angélica à instituição. O loteamento teve sucesso, pois já então as famílias tendiam a deixar o centro velho em busca de melhor qualidade de vida nos bairros periféricos da cidade que se expandia.

Consta que o loteamento deve parte de seu sucesso à construção do conjunto da Santa Casa de Misericórdia no bairro nascente. O provedor Quirino Ferreira Neto – na Santa Casa desde 1939 – confirmava que o hospital da Santa Casa deveria ser construído no Bexiga, onde D. Pedro II chegou a participar da solenidade de lançamento da pedra fundamental.

Um fato pitoresco foi uma campanha contra a localização do futuro hospital foi iniciada pelo jornal “A Província de São Paulo”, atual “O Estado de S. Paulo”, alegando que o local era inadequado, pois próximo ao matadouro, cujos ‘miasmas’ fariam mal aos pacientes. O fato é que, tendo vários dos Souza Queiroz como irmãos com direito a voto, a Irmandade decidiu construir o hospital no local atual, o que teria valorizado os lotes no bairro onde fora a Chácara das Palmeiras.

Apesar de conflitos entre as datas das narrativas históricas, é fato que Francisco de Aguiar Barros loteou a Chácara das Palmeiras, dando origem ao bairro de Santa Cecília. Várias de suas ruas foram nomeadas em homenagem à família, avenida Angélica (Maria Angélica de Souza Queiroz), rua Antonia de Queiroz (Antonia Eufrozina Vergueiro de Souza Queiroz) e rua Barão de Limeira (Luis Vicente de Souza Queiroz).

COINCIDÊNCIAS

Segundo relatos de membros da família, a primeira olaria a vapor de São Paulo foi construída na chácara do Bom Retiro, de Jerônimo José de Andrade, membro da família, o que gerou uma revolução na técnica construtiva da cidade.

A Chácara Nova do Barão, onde foi a primeira sede do Ana Rosa, era vizinha à do Bom Retiro, que acabou vendida ao empresário Manfred Mayer, casado com Elvira de Souza Queiroz. Mayer loteou a chácara, onde se instalaram muitos imigrantes judeus provenientes da antiga Bessarábia, hoje região entre a Moldávia e a Romênia.

Ainda na região ficava a chácara do Marquês de Três Rios, Joaquim Egydio de Souza Aranha, também ligado à família Souza Queiroz, o que era regra na pequena São Paulo de então.

A CHÁCARA VELHA

A Chácara Velha, que também serviu de sede ao Instituto Ana Rosa, foi herdada pelo Barão de Souza Queiroz por morte de seu pai, o brigadeiro Luiz Antônio, que faleceu em 1819. A propriedade se prolongava da rua da Consolação à rua da Palha, atual Sete de Abril. O barão foi o responsável por melhorias na propriedade e, ao referir-se às muitas árvores que ainda existem na atual praça D. José Gaspar, dizia que “este bosque, eu o trouxe nos meus bolsos”, já que várias árvores foram plantadas a partir de sementes que trazia em suas viagens.

O bosque, que se alongava além do pomar da chácara, cresceu tanto que, quando da construção do Condomínio Edifício Galeria Metrópole, na avenida São Luiz, nº 187, os incorporadores chamaram a imprensa para acompanhar a derrubada de uma imensa jaqueira, que fora plantada pelo barão de Souza Queiroz.

Também a Piratininga Arquitetos Associados, que projetou a Biblioteca Mário de Andrade no terreno onde ficava a sede da “Chácara Velha”, decidiu preservar uma imensa sapucaia, já centenária quando da construção da biblioteca, que fora plantada pelo barão. Para que não fosse cortada, a parede de trás da Biblioteca apresenta um dente, como se fosse um nicho, no qual está preservada a árvore.

O portão principal de ferro, que ficava na entrada da propriedade, foi recentemente doado ao Instituto Ana Rosa e montado em um portal no jardim da sede.

PRESTES MAIA E O ESCÂNDALO DO FAUNO PELADO

Ainda na quarta geração a partir do Barão, Augusto de Souza Queiroz  foi morar na casa de sua avó Jessy, que por ser viúva, teria que morar com algum familiar. Ele, contava que o primeiro lote da rua de São Luiz com o casarão foi vendido à Cúria Metropolitana.

Com o crescimento da cidade, a Cúria teve que ser desapropriada para que a São Luiz se transformasse em avenida de duas pistas. Consta que a sociedade conservadora da época esbravejou muito quando no paisagismo feito após o alargamento foi colocado um fauno tocando sua flauta e “com as partes pudendas de fora”.

O ultraje foi creditado à esposa do prefeito, d. Maria Prestes Maia, que teria colocado a estátua pagã, no lugar sagrado onde ficava o caramanchão onde o santo arcebispo d. José Gaspar, por tantos anos, lia seu breviário. A revolta foi tanta que, quando Prestes Maia deixou a Prefeitura, uma das primeiras providências do sucessor, pressionado pelas carolas, foi exilar o fauno, que continua com “as partes pudendas de fora”, mas agora na praça do Trianon, na avenida Paulista.

AS DEMAIS CHÁCARAS

Ainda na obra de Lefèvre há referência às demais chácaras do Brigadeiro. Diz ele que “o Brigadeiro foi proprietário de outra chácara, situada entre os vales dos córregos Itororó e Saracura, entre as atuais ruas de Santo Antônio e de Santo Amaro e que, ao ser arruada e loteada, recebeu os nomes de diversas pessoas da família, como o do próprio brigadeiro e de d. Genebra, sua mulher, de d. Paulina e de d. Maria Paula. Essa chácara ficou para seu filho Vicente de Souza Queiroz, o barão de Limeira. Outra chácara, localizada entre as ruas de São João e do Seminário, junto ao Tanque do Zuniga, onde depois foi agenciado o largo Paissandu (de acordo com “A Evolução Urbana”, volume II, de Aroldo de Azevedo), ficou para seu terceiro filho, Luiz Antônio, conhecido por comendador Souza Barros”.

CHÁCARA DAS PALMEIRAS

A sede da Chácara das Palmeiras, que pertenceu a Maria Angélica de Souza Queiroz Barros e a seu marido, Francisco de Aguiar de Barros, o Barão de Itu, foi a origem do bairro de Santa Cecília e, por testamento, entregue às Damas de Caridade de São Vicente de Paulo, que aproveitaram o legado para a criação do Externato Casa Pia São Vicente de Paulo, fundado em 1887, onde funcionou durante décadas uma instituição de ensino médio, gratuita para meninas pobres. Atualmente, embora a casa esteja preservada, o restante do terreno foi arrendado para uma escola particular.

O espírito de caridade de Maria Angélica era conhecido por todos, assim como a sua fama de grande anfitriã, que ficou deveras evidenciada, nos últimos anos em que viveu no casarão da sua propriedade na Chácara das Palmeiras, onde dava magníficas recepções.

Para agradá-la, seu marido Francisco de Aguiar de Barros, o Barão de Itú, arrematou num leilão em 1872, a Chácara das Palmeiras, então pertencente a Domingos Marques da Silva Airosa e cuja área era de mais de 25 alqueires, começando na esquina das atuais ruas Martim Francisco e das Palmeiras, subindo até emendar com a Chácara de Dona Veridiana Prado de um lado e com as esquinas da rua Conselheiro Brotero (Dr. José Maria de Avelar Brotero) e das Palmeiras do outro, possuindo um caminho de palmeiras que seguia até a atual Rua das Palmeiras. Portanto alcançando os atuais bairros de Santa Cecília, Vila Buarque e Higienópolis.

As terras da Chácara ficavam no lado par do Caminho do Pacaembu – formado pela atual rua Maria Antonia, seguindo pela Avenida Higienópolis – desde a Estrada de Campinas – iniciada na Avenida São João e seguindo pela Rua das Palmeiras até o Largo das Perdizes – depois chamada Estrada da Alegria, antes de seu nome atual, que subiam até a atual rua Dr. Martim Francisco (Ribeiro de Andrade), defrontando com as ruas Jaguaribe – limite da chácara do Dr. Domingos J.N. Jaguaribe e que, em tupi guarani, significa Rio das Onças – e D. Veridiana (da Silva Prado), seguindo ao lado esquerdo da rua Dr. Veiga Filho (Dr. João Pedro da Veiga Filho – um dos fundadores da Escola de Comercio Álvares Penteado).

Na Chácara das Palmeiras, Angélica mantinha um grande pomar, plantações de chá, de mandioca e capim que lhe auferiam bom rendimento.

Angélica, mãe de onze filhos e seu marido, proprietários de grande quantidade de terrenos nessa região, doaram uma parte deles para o arruamento desses bairros. Daí nasceram ruas como Brasílio Machado, Rosa e Silva, Gabriel Ribeiro dos Santos, parte das ruas Albuquerque Lins e São Vicente de Paulo, Tupi, Conselheiro Brotero e Alameda Barros – em homenagem a seu marido. Mas, tendo o Barão morrido dois anos após a aquisição da Chácara, não viu suas terras transformarem-se no bairro de Santa Cecília.

A pomposa avenida Angélica, uma das mais longas ruas que nasceram na área da antiga chácara, foi assim nomeada em 31 de maio de 1907, em homenagem à ilustre Baronesa, que morava na mansão que mandou construir com material vindo da Alemanha após a morte de seu marido. A casa foi posteriormente demolida para dar lugar a edifícios.

Foi após a morte do barão que Angélica doou a sede da sua chácara, e parte das terras ao redor, às Irmãs de Caridade Vicentinas para ali montarem um orfanato, datado de 1894, onde funcionou o Externato Casa Pia São Vicente de Paulo, de educação infantil, fundamental e média. Ela incluiu a cláusula testamentária de que jamais fosse demolida a casa onde seu marido faleceu e foi velado sobre a mesa que ainda hoje se encontra na casa, atualmente tombada. Por essa razão, até recentemente as irmãs do Colégio e outras pessoas do bairro referiam-se ao local como a Casa da Baronesa.

A Casa Pia São Vicente de Paulo tem como endereço a Alameda Barros nº 539, assim denominada em homenagem ao seu marido, o barão Dr. Francisco Aguiar de Barros, industrial paulista do século XIX.